segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Coral das Lavadeiras

O rádio e a televisão pareciam fantasiosos sonhos de cientistas tidos então como malucos quando nasceram alguns dos cantos contidos no recém-lançado CD "Batukim Brasileiro – O Canto das Lavadeiras". Em 12 faixas, entoadas pelo Coral das Lavadeiras, de Almenara (MG), estão versos que ajudaram várias gerações a tornar menos árdua a labuta na beira do rio Jequitinhonha, único ganha-pão para a maioria delas.

Enquanto "desencardiam" quilos e quilos de roupas alheias em pedras incrustadas ao longo do rio, as mulheres cantarolavam criações imemoriais como o frevo "Avião Avuadô" e o afoxé "Ô Siri Vem Cá". Outros achados são o chorinho "Adeus Ferro de Engomar" e a canção de roda "Rua das Pedrinhas", todos de domínio público.

Tais criações por certo estariam fadadas ao esquecimento não fosse por um lance do destino envolvendo o cantor e compositor Carlos Farias. Psicólogo de formação, em 1985 ele viajou a Almenara para ajudar a implantar projetos profissionalizantes da extinta Legião Brasileira de Assistência (LBA). Durante a instalação de uma lavanderia comunitária, ele escutou lavadeiras cantarolando músicas como as que conhecera quando criança, na vizinha Machacalis. Soou tal qual um canto de sereia: "Era para ficar dois anos, mas acabei ficando dez", diverte-se ele.

Nascia ali a idéia de criar o Coral das Lavadeiras, posta em prática apenas em 1991. "Desde então vimos mostrando o trabalho em feiras, festivais e outros eventos", afirma Carlos, que em março de 2002 levou o grupo a Portugal. Além de produzir o CD, ele também dá o contraponto masculino às vozes rasgadas das lavadeiras. "Elas usam a primeira e a segunda voz, numa entonação parecida com as das antigas duplas caipiras", compara o músico.

Fonte essencial para a feitura de "Batukim Brasileiro" foi a própria mãe do produtor, Crisolina Guimarães, a dona Crisó, de 82 anos, que traz de cor muitas histórias, cantigas e rezas aprendidas no Vale do Jequitinhonha. Há ainda participações de Saulo Laranjeira e Bilora, entre outros músicos. A gravação do CD foi iniciada em 2001. A tiragem primeira, de 2 mil cópias, foi apoiada por leis de incentivo à cultura e traz encarte em português e inglês de 50 páginas falando sobre o projeto e a região.

O ministro da Cultura Gilberto Gil tem batido na tecla de querer levar as leis de incentivo à cultura para além do eixo Rio-São Paulo, onde desaguam 85% das chamadas renúncias fiscais. Os candidatos a mecenas terão boas surpresas em um garimpo cultural pelo Norte de Minas Gerais, de onde vieram o cantador e compositor Téo Azevedo e os violeiros e luthiers (artesão de instrumentos) Zé Coco do Riachão (1912-1998) e Sinval de Gameleira.

Se a intenção do ministro for tirar do anonimato artistas dos rincões do Brasil, poderia começar pelas nove integrantes do Coral das Lavadeiras que dão nome e sobrenome ao CD "Batukim Brasileiro". São elas: Adélia Barbosa da Silva, Ana Isabel da Conceição, Emília Maria de Jesus, Juraci Lima da Silva, Míriam Fernandes Pessoa, Sebastiana Dias da Silva, Santa de Lourdes Pereira, Teresa Fernandes de Souza Novais e Valdenice Ferreira dos Santos. "Já mandei para Brasília o projeto de um disco que dá seqüência a este, que teve, aqui em Minas, o apoio do Grupo Mod-Line ", revela Carlos Farias.

Outra prova da prodigalidade do Vale do Jequitinhonha é Déa Trancoso, que, a exemplo de suas conterrâneas de Almenara, também estréia em disco graças à política de incentivos culturais. Seu CD "O Violeiro e A Cantora", afinada parceria com Chico Lobo, teve o apoio da Prefeitura de Belo Horizonte, onde ela mora desde que iniciou a carreira. Déa traz latentes as influências de sua região, em canções como "Tiriça" e "Viola Cantadeira". "Por sorte ainda temos dentro de nós este bem, já que a riqueza exterior sempre andou escassa por lá."

*por Zé klabin

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